sábado, 28 de maio de 2011

Berço de Ouro

Sam tocou os as últimas notas da música, e o som do piano era suave e doce aos seus ouvidos. As teclas pareciam feitas de seda, e o banco no qual sentava enquanto fazia a mágica acontecer, feito do mais fino veludo. Mas ele podia ouvir algo mais. Talvez o som da própria alma do piano, cantando para ele, qual faria uma ninfa, ou uma sereia. E mesmo quando ele se levantava no fim de cada número e agradecia ao público em júbilo, ele acreditava poder ouvir o piano aplaudindo também.

Pouco importava. A vida de Sam nunca fora melhor. Ele conseguira esse número estável em um bar de qualidade devido às conexões de seu pai, um poderoso empresário do mundo do entretenimento. As más-línguas diziam que era impossível que uma dúzia de bares, restaurantes e casas noturnas gerassem uma renda tão impressionante, e sussurravam que o grosso do dinheiro vinha das ligações com a máfia, mas isso também pouco importava. Sam sempre lotava a casa, e era sempre aplaudido ao máximo.

Antes não era tão fácil. Lógico, ele tinha dinheiro. Era só pedir, e seu pai arranjaria. O piano de cauda branco fora um presente dele. Mas Sam não brilhava. Era só mais um pianista desconhecido. Agora... Agora ele tinha um empresário, duas apresentações por semana, e agora já se falava em contrato com uma gravadora! Perfeito.

Sam saiu acenando para seu público que aplaudia. Ele desceu para o camarim embaixo do palco, para descansar um pouco antes de sair para beber algo e receber milhões de congratulações de ricos entusiasmados (e entediados) que viam nessas noites de música a única válvula de escape de seu mundo perfeito. Sam era alto e um tanto quanto fora de forma; Alguns de seus ternos já não o serviam tão bem. Contrastando com sua face oval e suas pernas gorduchas, seus dedos eram longos e firmes. Culpa do piano, dizia seu pai. Ele tinha um cabelo puxado para trás, evidenciando ainda mais sua testa enorme e as sobrancelhas finas, que dava a sua face um ar de juventude, apesar dos seus trinta anos. Não era um homem bonito, mas também não era feio.

Ele ainda sorria quando entrou no camarim, e para sua surpresa, encontrou seu empresário, em pé no meio da sala desarrumada, imponente na sua jaqueta de couro, mas também terrivelmente sério.

Richard, o empresário de Sam, já era experiente. Conseguira dezenas de contratos com bandas e artistas em ascensão nos seus anos de ouro, e agora era exclusivamente empresário de Sam. Ele era um homem sério por natureza, lacônico e reservado, mas um ótimo amigo. Tinha por volta de cinqüenta ou sessenta anos; Era ainda mais alto que Sam, mas era magro e tinha um rosto reto e amedrontador, com lábios finos e quase sempre crispados. Esses lábios raramente sorriam; Toda a face de Richard transmitia melancolia. Seus olhos azuis estavam sempre cansados; Faltava-lhes a severidade dos lábios. Suas mãos eram esqueléticas e contraídas, e seu cabelo quase todo se fora. Não, não era um homem particularmente alegre. Mas hoje ele estava especialmente sério. Toda sua fisionomia transmitia gravidade, e era impossível não notar, mesmo com todos os entorpecentes aplausos que Sam ainda desfrutava.

O sorriso se esvaiu da face de Sam.

-Ah, Richard... Foi uma ótima noite, esta... Está tudo bem?

Richard levantou seus olhos cansados e apenas disse:

-Espero que a tenha aproveitado... Porque acabou.

-Acabou? Como assim acabou?

-Seu pai está afundando na merda, Sam, e ele está levando tudo o que ele pode junto com ele. Já faz um mês que ele não tem mais lucro de lugar nenhum, só prejuízos. Ele está quebrado, falido. E isso faz de você um homem desempregado. Ah, e se despeça de seu piano. Ele foi vendido por metade do valor em uma tentativa desesperada de manter esse lugar funcionando.

Foi como um soco. Sam quase caiu para trás.

-Falido?? Mas... Mas eu estava...

-Não importa. – Richard desviou o olhar, e fitou o vazio. – acabou.

Sam parou de pensar. Ele foi tomado por um ódio profundo, e antes que pudesse evitar, ele agarrou uma garrafa de champanhe, presente pela apresentação, e a quebrou na cabeça do empresário.

O homem caiu como uma rocha no chão. O champanhe caro se esparramou pelo carpete, se misturando com o sangue que escorria lentamente da cabeça do empresário inconsciente.

Sam entrou em pânico. Ele correu para fora do camarim, gritou por ajuda e voltou, pensando em uma história que se encaixasse. Quando entrou no camarim, ele viu que Richard se revirara no chão, e agora olhava fixamente para Sam. Seus olhos cansados estavam arregalados, e seus lábios crispados sussurravam...

"Assassino..."

Então sua cabeça pendeu para trás, ele perdeu os sentidos novamente.

Um garçom apareceu um segundo depois, e alguns minutos depois uma ambulância e a polícia, mas Sam respondeu as perguntas automaticamente. Disse que quando chegou o empresário já estava no chão; Fez um ótimo papel de perplexidade, porém sua perplexidade vinha do sussurro perturbador... Ele tinha certeza que o empresário sabia que ele tentara matá-lo. E se ele sobrevivesse, Sam não estaria somente falido; Estaria também preso.

Ele voltou para sua casa, ainda mecanicamente. Acordou no dia seguinte e foi direto para o hospital, visitar o empresário. Seu quarto estava sendo guardado por um policial, que confirmou que Richard tinha sobrevivido, mas não tinha recobrado a consciência.

Seria fácil, Richard pensou. Um travesseiro. Sim, um travesseiro, e alguns minutos a sós com Richard, e ele deixaria de ser um problema. Simples.

Ele convenceu o policial a deixá-lo a sós com o empresário facilmente. O oficial nem contestou. Fácil.

O quarto era pequeno, com duas camas separadas por uma grossa cortina verde-água. Richard estava na primeira cama, com os aparelhos piscando e apitando ao seu lado. Sam se aproximou lentamente. O empresário respirava pesadamente, com os olhos fechados e relaxados. Só assim para que Richard relaxasse, pensou Sam. Ele pegou um dos travesseiros. Ele o segurou logo acima da cabeça cheia de bandagens de Richard...

Então, subitamente, o empresário abriu os olhos.

-Te peguei.

Sam pulou para trás, derrubando os aparelhos, enquanto o empresário dizia:

-Eu acordei ontem no meio da noite, Sam. –seus olhos brilhavam com uma malícia e crueldade profunda. – Eu sabia que você viria tentar terminar o serviço. Por isso o policial lá fora mentiu, para que nós o pegássemos em flagrante.

Sam sussurrou:

-Nós...?

De repente, e cortina verde-água se abriu, e três policias armados pularam para cima de Sam e o algemaram, enquanto o empresário ria. Ele gargalhava, de um jeito que Sam nunca o vira fazer. Sam foi arrastado para fora do quarto, enquanto as risadas macabras enchiam seus ouvidos.


 


 

Um comentário:

  1. Noooosa, esse personagem me desperta um enorme desprezo: filho de papai que recebe uma notícia ruim e quer matar o mensageiro!!!! Q ainda por cima é um senhor de idade!!! AAAAhhh, vai sifu! Nesse caso, é mto gostoso ver o bem vencer o mal. Bem legal, um clima bem diferente da ultima história, mas ainda gera emoções fortes. :0) bjs, Bel

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