quarta-feira, 21 de março de 2012

O Violinista


O antigo edifício geme com o vento. É um velho rabugento que reclama da chuva, do sol ou dos dois juntos. Os andaimes rangem, ocupando por um segundo o pensamento do transeunte, antes que ele volte a pensar nas contas pra pagar e na data de vencimento das mesmas.

Os andaimes estão pendurados sobre o edifício como uma máscara, que quando retirada impressionará a todos com a beleza de seu novo rosto. Embora cara, a restauração era necessária. O edifício é mitológico. Um ponto de encontro, um ponto na paisagem, ou simplesmente um ponto em uma estatística, o prédio já se tornou parte na vida de todos. De fato, caso você tivesse tempo, disposição e dinheiro, poderia estudar a fundo a vida de cada uma das pessoas da cidade, apenas para perceber o que eu já lhe disse: Cada um desses indivíduos tem uma história ligada a esse prédio.

Por exemplo, há na porta do edifício um violinista. Ninguém sabe se foi contratado ou se é apenas desocupado, mas todo dia às sete da manhã, preciso como um relógio, o violinista toma sua posição e enche o preguiçoso ar da manhã de música.

Tem um poder impressionante, essa música. Alguns cidadãos, tão antigos quanto o edifício e tão desocupados quanto o violinista, especulam que ele é na verdade um famoso maestro italiano (embora as más-línguas digam que ele é búlgaro) que, cansado de seu sucesso na Europa, preferiu atravessar o oceano e morar no anonimato.

O fato é que a música tem poder tal que pode erguer um homem abatido, mesmo nas suas horas mais sombrias. E, assim como os andaimes escondem a verdadeira face do edifício, o rosto do violinista é coberto por um cachecol poeirento, que cobrem a boca e o nariz, mas deixa descobertos os olhos, quase sempre fechados em extrema concentração. Ultimamente os acordes são interrompidos por uma tosse violenta, mas nada que abale o espírito do músico. Ele se endireita, ajeita o cachecol e quando retoma de onde parou parece fazê-lo com o dobro da intensidade.

De quando em quando um desses ricaços desesperados por redenção e por qualquer coisa que dê conforto às suas almas oferecem somas absurdas ao músico, oferecem uma orquestra inteira ao seu comando, prometem uma viagem de volta à Itália (ou seria a Bulgária?), tudo pelo prazer de ter o violinista só para si. O sábio ítalo-búlgaro sempre recusa sem nem dizer uma palavra, mas é fácil imaginar o que está pensando. Não há dinheiro no mundo que possa fazê-lo abandonar o prazer de acalmar a aflição dos transeuntes que mal tem tempo de pensar. Geralmente é na nona ou décima abanada negativa do violinista que os ricos perdem a paciência e partem para as ameaças vãs. Em resposta a isso, o violinista faz o que sempre faz: continua tocando.

Já que não é possível tirar o mítico músico de seu palco natural, muitos tentaram gravar sua genialidade e transmiti-la pelo mundo. Certa vez uma equipe inteira de gravação se instalou na calçada e gravou o violinista em um dos seus momentos de máxima concentração e paixão. O arco voava em suas mãos, e o som parecia a voz das ninfas sussurrando por entre as árvores. Estranhamente, o que foi gravado naquele dia nunca foi lançado. Até hoje, os estudiosos não chegam a um consenso com relação ao que houve com a gravação. Alguns dizem que o diretor se comoveu tanto que resolveu guardar a faixa para si mesmo. Outros dizem que ela simplesmente estragou inexplicavelmente, uma clara demonstração dos poderes sobrenaturais do violinista. Mas o fato é que o único jeito de conhecer a obra completa desse músico é assistir a sua apresentação diária em frente ao edifício.

No dia em que os andaimes foram retirados, houve uma grande festa de inauguração do novo edifício. O violinista foi convidado para abrir a cerimônia, mas ele desapareceu misteriosamente um dia antes que o convite fosse feito.

Muito se diz sobre o desaparecimento do músico. Alguns juram que ele foi visto em outra cidade, dessa vez com um cachecol diferente, tocando em frente a um edifício diferente. Outros acham que ele finalmente aceitou o convite de um ricaço e voltou para a Europa, mas os entendidos no assunto dizem que ele jamais faria isso. Alguns aceitam que ele simplesmente morreu e está enterrado em uma cova anônima, enquanto outros acham que ele voltará um dia e tocará para sempre até o fim dos tempos. Mas os sábios de verdade só tem certeza de uma coisa: Em resposta a tudo isso, o violinista faria o que sempre fez: continuaria tocando.

2 comentários:

  1. Adorei seu conto, Victor. Muito bem escrito, demonstrando talento e sensibilidade. Por favor, não esqueça de me avisar sempre que postar novos contos no blog. Parabéns querido!

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  2. Que legal, Vitor! Você escreve bem mesmo! Vou acompanhar suas postagens! Boa sorte!
    Beijo!
    Analu

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