quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Ela

Então, ela não estava mais lá. Foi algo súbito, como um terremoto ou um furacão, e tão devastador quanto. Embora mais tarde Eduardo tenha percebido que não fora nada súbito. Fora mais uma tempestade, com todo o terror que uma tempestade traz, mas também com a lentidão com a qual ela se forma. Nuvens escarças apareceram onde antes o céu era límpido e de um azul estonteante. Não era algo com o que se preocupar, mas logo as nuvens se avolumaram, e logo elas enchiam o céu. Quando os trovões soaram, já era tarde demais. Ela se fora.

Eduardo caminhou pelo apartamento bagunçado, que agora parecia vazio. O apartamento era pequeno, eles concordaram que não queriam muito luxo, mas ele parecia mais rústico do que simples. O assoalho branco estava encardido, e os estofados coloridos pareciam zombar dele e de sua desolação.

Ele pensou em sair, se afastar de tudo aquilo que fazia despertar memórias, tão doces, mas agora tão dolorosas. Havia um retrato na mesa, uma mesa logo em frente da porta, um retrato que dava as boas vindas ao lar. Eduardo abaixou o retrato com tristeza. Ele não queria mais ver seu sorriso, seu lindo sorriso, capturado para sempre em um momento único. Por um momento ele pensou em ir atrás dela. Quão absurdo seria, fingir que nada acontecera? Como se eles pudessem ser um casal feliz de novo depois de uma briga tão horrível. Depois de dizer coisas a ela, coisas que ele não queria dizer, mas que disse mesmo assim quando a fúria tomou conta. Ela não respondera. Ela tinha ficado quieta, muito quieta, e quando ele terminou, ela apenas pegara suas coisas e partira. E arrancara o coração dele de uma vez.

Eduardo ficou andando pelo apartamento por um tempo, sem querer se sentar, sem querer sair, sem querer falar. Ele fechou os olhos, esperando que quando os abrisse estivesse em sua cama, no começo do dia, e nada daquilo tivesse acontecido, e ela ainda estaria do seu lado.

Ela.

A menção dela na sua mente mandou um arrepio pela sua espinha. Quanto mais pensava no passado, maior a sensação de desespero ficava, e se enterrava mais fundo na sua alma. Por fim Eduardo cansou de pensar, mas não de sofrer, porquê quando se deitou a cama tinha o cheiro dela. Entre seu odor masculino e fétido, lá estava, um resquício dela. Eduardo se agarrou a isso o dormiu, e sonhou, e não houve um sonho naquela noite que não falasse dela. Alguns foram pesadelos, e Eduardo se impressionou com o que o seu cérebro era capaz de fazer para causar culpa.

Por fim, ele não aguentou mais. Levantou-se, e enquanto o sol nascia saiu do apartamento, deixando tudo como estava, e foi até ela. Eduardo não sabia para onde ia, mas sabia que tinha que ir. Desceu as escadas, impaciente para esperar por um elevador, e ganhou a rua, e então perdeu o fôlego.

Porque lá estava ela.

Do outro lado da rua, parada, de costas, com um cigarro preso entre dois dedos, com uma leveza sobrenatural. Ela tragou longamente, e soprou a fumaça para cima. Seu cabelo estava preso, coisa que ela sempre fazia quando estava irritada. Ela então se virou subitamente, e seus olhos se encontraram através da rua pouco movimentada e iluminada pelos primeiros relances do sol. Ela não tinha dormido nada, Eduardo conseguia perceber. Mas mesmo assim era de uma beleza inebriante. Não havia um pingo de raiva no seu rosto, e Eduardo também conseguia perceber isso. Ao invés disso ela indagava com os olhos o que ele faria a seguir.

Eduardo não tinha dúvida.

Atravessou a rua de um pulo, e se um carro tivesse passado nesse momento ele pularia por cima dele apenas para alcança-la.

Ele começou a falar, cuspindo uma palavra atrás da outra, se amaldiçoando por sua estupidez, mas ela, com um sorriso no rosto, apenas o calou com um beijo.

Ele não teve argumentos contra isso.

Eles se abraçaram como se tivessem passado mil e uma noites separados, e então andaram de volta para o apartamento para se arrumar para o dia que nascia.

Um comentário:

  1. Sempre enchemos nossos pensamentos de inúmeras outras coisas, mas no final eles todos nos levam a Ela. Bom conto.

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