terça-feira, 27 de setembro de 2011

Domingo de Futebol

Don't be surprised if a crack in the ice appears under your feet.

Toda competição é selvagem. Toda vez que duas pessoas ou dois grupos de pessoas são postas em oposição, há violência, e há violência pelo simples fato de que perder significa ser menos do que o outro. E o ser humano não é capaz de suportar isso. Isso é sempre verdade, seja em uma guerra ou em um jogo de xadrez. Talvez seja pior no xadrez, pois a disputa é direta, os inimigos se enfrentam cara a cara em uma competição de intelecto e não existem argumentos que justifiquem uma derrota.

Esses pensamentos passaram pela minha cabeça enquanto eu estava sentado na arquibancada suja de cimento de um ginásio, assistindo a um jogo de futebol de salão, ou futsal. O jogo era o primeiro de um campeonato que durará alguns meses, ou pelo menos deveria. Geralmente não é o meu programa preferido, mas o meu irmão, sangue do meu sangue, jogava, e embora meu espírito fraternal desejasse torcer pelo time adversário, a minha honra me compelia a torcer pelo seu time.

Antes mesmo do início já havia um clima pesado. Fontes confiáveis confirmavam que o time adversário era o melhor time da cidade, e a única preocupação do time pelo qual eu torcia (a honra acabou vencendo) era não repetir o vexame de outra equipe, esta derrotada com um humilhante placar de 13 a 2. O time estava com três jogadores faltando, deixando-o com apenas um reserva e forçando um dos atacantes a se posicionar no gol. Já reunido e devidamente uniformizado, a equipe inteira olhava discretamente para o inimigo, estudando-o como qualquer bom soldado faria. Ao ver dos atletas, todos os adversários eram ridiculamente altos para a idade, e era óbvio que eram mais velhos. Injustiça, marmelada, subornaram o juiz...

Soa o fatídico apito, e os jogadores entram no campo de madeira brilhante rodeado por uma rede alta para impedir que a bola atinja algum espectador. Por causa do meu parentesco com o camisa dez do time, eu tinha passe livre para dentro do campo até o jogo começar, e foram tiradas fotos, trocadas palavras de incentivo e o técnico reúne o time para mais palavras motivacionais. Então o aquecimento começa, ao passo que o time adversário, máquinas de matar sem mente ou sentimentos, já começou o seu sem precisar de foto, incentivo ou discurso. O juiz aparece, um elefante que fugiu da África com um apito preto amarrado a um cordãozinho também preto e vestido de vermelho (a cor do time adversário, aliás). A criatura era tão discreta quanto uma baleia encalhada.

Inicia-se o jogo, um espetáculo de nervosismo. Os dois técnicos estavam enlouquecidos, berrando para os times, e os jogadores ignoravam solenemente. Logo, após um contra-ataque inesperado como todo contra-ataque deve ser, o time favorito marca um gol. Festa! Somos invencíveis, somos imortais, não há nada entre o céu e a terra que se compare à nossa grandiosidade...! A moral cresce, e os erros aparecem. Não muito tempo depois, o inimigo marca. Verdadeiros autômatos sem alma, mal comemoram, apenas retrocedem e voltam à posição de defesa, como se nada tivesse acontecido. A comemoração vira atenção, e o jogo prossegue dolorosamente, com mais três gols para o inimigo. A felicidade vira pânico, o técnico pede tempo. O outro time, com um verdadeiro exército no banco de reserva, troca três jogadores, enquanto o time favorito só pode trocar um. A partida prossegue por mais alguns minutos até que o angustiante primeiro tempo chega ao fim. Os atletas caem no banco de reservas, arrasados. O técnico os reúne, dando mais um discurso motivador, que provavelmente funcionou. Ele então fez uma alteração ousada no time, que mudou o curso do jogo: Pôs o goleiro no ataque, e um dos zagueiros no gol. Uma surpresa, e se os Neandertais do time adversário eram capazes de sentir medo, eles devem ter sentido naquele momento, pois o jogo mudou. Atravessar o campo era dificílimo, chances de gol quase não havia, e ambos os times agora se enfrentavam de igual pra igual, ou algo próximo disso. Então, como todo covarde, o técnico adversário apela para a violência física. Logo, o placar marca cinco faltas cometidas pelos trogloditas. Nada com o que se preocupar, pois o time favorito marca um gol! A esperança desponta no horizonte, uma luz no fim do túnel. Será que, com três jogadores a menos e um juiz incompetente seria possível derrotar o melhor time da cidade? Valia à pena tentar.

O jogo se arrasta, e se os jogadores estavam nervosos, a torcida estava tão nervosa quanto. Choviam palavrões, e eu tive a oportunidade de aprender alguns novos. A pobre mãe do juiz nunca foi tão caluniada, e enfim a justiça mostra sua face vendada quando o time adversário, homens das cavernas de fato, recebe um cartão amarelo. Infelizmente o time adversário, que não conseguira marcar nem com uma falta perigosamente perto da área, acha uma brecha (ou criam uma na base da porrada?) e marca, matando de vez a moral dos atletas. De fato, cinco gols do inimigo contra magros dois gols acabam com a moral de um homem. Mesmo assim o time concluiu o jogo honrosamente, diferente dos Neandertais, que receberam mais um cartão amarelo no final da partida por tirar a camisa antes da hora, um ato grave de anti-esportismo. Ao vitorioso, os espólios, e ao derrotado, o consolo. Nada é tão bom como uma vitória, mas o simples fato de terem jogado tão bem com três jogadores a menos merecia aplausos. E a promessa de uma vitória com o time completo estava implícita no fim do jogo, e os atletas se despediram com esse pensamento na cabeça... Ou pelo menos deveriam ter pensado.

Saindo do estádio, ainda sou interpelado pelo técnico do time pelo qual eu torcera. Ele se lembrava de mim, pois em anos muito tristes da minha infância eu freqüentei sua escola, pois eu também quis ser jogador de futebol. Aspirava ser um goleiro digno de levantar a taça da copa do mundo. Infelizmente a realidade é dura, e nas minhas infelizes tentativas passei os piores momentos da minha vida. E foi com um sorriso no rosto que eu educadamente me despedi dele, e me perguntei silenciosamente se ele tinha alguma idéia da aversão que eu nutria pela sua escola...

 

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