sábado, 26 de março de 2011

Let it Be

Algumas formas de entretenimento nos levam à refletir mais do que entretêm(Ou talvez a reflexão seja uma forma de entretenimento?). A maioria dos personagens que nos são apresentados são muito semelhantes a seres humanos, até porque a única base na qual podemos nos apoiar ao inventar um personagem conhecemos seja a humana. O que nos leva a apreciar tanto uma obra, o que nos leva a gostar tanto de uma série, de um filme ou de um livro é porque nos identificamos com seus personagens. No nosso íntimo, nos reconhecemos nos personagens, e embora por vezes os desafios que tais personagens enfrentem estejam além da nossa rotina, as atitudes que eles tomam nos refletem. Caso seja uma atitude egoísta, você a identifica em você mesmo. E assim, a série nos faz acompanhá-la rigorosamente, sempre esperando ver determinado personagem em ação.

Em um livro, uma das coisas que mais me irritavam nos escritores era o fato de que eles dividam o livro em várias estórias interligadas. Obviamente, a estória principal era infinitamente melhor que as outras, mas as estórias se revezavam em capítulos. Um capítulo sobre tal personagem, o outro sobre outra, e assim por diante. Mas me irritava o fato de o escritor me forçar a ler um capítulo que parecia insuportável só para encher páginas. Então, ao me aproximar do final do livro, eu entendo o que os escritores estão fazendo. Eles estão prendendo minha atenção por uma estória aparentemente irrelevante para depois revelar algo que só é entendido caso você tenha lido os capítulos irrelevantes. E por isso eu me sentia aliviado, ao perceber que valera à pena passar por todos aqueles capítulos insuportáveis afinal. Caso eu os pulasse, como me sentia tentado a fazer, jamais entenderia a história completamente.

Porém ao ler esse mesmo livro alguns anos depois, eu percebo que é mais do que isso. O escritor tenta, através desse pequeno joguinho de capítulos, nos fazer apreciar a obra como um todo, e não apenas um personagem. E mesmo os capítulos irrelevantes trouxeram alguma coisa à leitura. O que me leva à pensar...

E se assim for a vida? Quaisquer que sejam as forças escrevendo nossa história, não estariam elas em determinado momento escrevendo um desses capítulos insuportáveis apenas para revelar que, no final, ele fez toda a diferença? Através dessa pequena reflexão me vem à cabeça o sentido da frase "viva cada dia como se fosse o último." Um desses capítulos irrelevantes pode fazer alguma diferença no final... E, apesar da tentação de simplesmente ignorá-lo, no final, a sensação de alívio por não tê-lo feito supera qualquer outra. Por isso, apesar do clichê, viva cada dia como se fosse o último.

Deixe acontecer.

P.S.: O primeiro parágrafo não teve quase nada a ver com o resto do texto. Se ele tivesse vindo depois, você teria tido vontade de pulá-lo?


 

I wake up to the sound of music; Mother Mary comes to me;

Speaking words of wisdom, Let it Be…

(…)

There will be an answer, let it be…

Let it Be

The Beatles

Let it Be

Apple (EMI Records)

Um comentário:

  1. Victor,
    lendo suas reflexões sobre o tempo me vieram à cabeça duas coisas que gostaria de compartilhar com você: a primeira é uma lenda francesa que está n'O Livro das Virtudes e se chama a linha mágica. É mais ou menos a mesma história que está no filme Click, com o Adam Sandler.
    A segunda é a frase "Carpe Diem" do poeta latino Horácio, que está num filme genial chamado A Sociedade dos Poetas Mortos. O professor cita essa frase para ensinar a seus alunos exatamente aquilo que você nos mostra no seu blog.
    Enfim, muito pano pra manga, mas tudo isso só pra dizer que eu achei muito legal o que você escreveu. Abraços,
    Pai.

    ResponderExcluir