For of all sad words of tongue and pen, the
saddest are these: it might have been!
John Greenleaf Whittier
Sentou-se à janela. Lá fora, o mundo. Mal podia esperar. Em
minutos, o ônibus se moveria. As serras que delineavam o horizonte e limitavam
sua vida ficariam para trás. Os mesmos montes que o acompanharam e o
aprisionaram por uma vida jamais seriam vistos novamente. Minutos. Menos agora.
Mal podia esperar. Lutara tanto, sofrera tanto, por este momento. Por estes
minutos. Estes segundos.
Enfim, movimento. O ônibus, com um rugido de uma criatura
retirada de seu sono milenar, recua e com ele, os montes e serras. A criatura
guincha, gorgoleja e para. Desespero absoluto do rapaz. Tirânicos, os montes se
agigantam ao seu redor. Seria impossível escapar de seu jugo? A fera de metal,
mais antiga que o tempo, recusa-se a se mover. Gritos lá fora. Mais um
passageiro, atrasado (justo hoje...!), embarca no estômago da criatura. Mais um
que anseia por se ver livre...
Mas não é um passageiro, e sim uma passageira. Ele pode
vê-la, através do reflexo na janela. Uma gota solitária de suor escorre pela
sua testa, o olhar fixo nos montes onipresentes, contudo sem olhar para eles.
Parecem diminutos agora, ridículos. Como puderam um dia aprisioná-lo? Como pudera
um dia se preocupar com assuntos tão fúteis, quando uma situação como esta
agora surgia? A passageira se aproximava. O rapaz nunca vira nada tão lindo.
Seu andar parecia saído de um sonho, mas seu rosto desaparecera. O reflexo
sumira, pois a passageira se aproximara dele. Dele! Não é possível. É um sonho,
um pesadelo, pois ele não apenas encontra-se livre, não apenas assiste aos
montes desaparecerem no horizonte antes dominado por eles, como também está
sentado ao lado de um anjo! Pois ela sentou-se ao seu lado.
Por quê? Certamente não havia outro lugar. Era sentar-se ali
ou ficar de pé. Seria essa a razão? Ele não ousava olhar. Temia que, com um
movimento brusco, tudo se desfizesse diante dos seus olhos e ele se encontrasse
preso novamente no vale, cercado pelas serras. Temia um encontro de olhos. Não
ousava se mover. O ronco do motor era inaudível, a paisagem voando à sua
frente, imperceptível. Nada mais importava.
Um solavanco. O rapaz é atirado de seu devaneio, e ao tentar
se ajustar novamente na cadeira, sua perna encosta na dela. Ele congela. Não
ousava olhar, não podia olhar! Uma tortura incomensurável. A perna não recuou.
Está ali, encostada na dele. Saberia ela...? Teria percebido, permanecera
indiferente...? Um olhar responderia tudo, mas era arriscado demais. E se seus
olhos se encontrassem? O que diria? Conseguiria dizer qualquer coisa? Não. Mera
coincidência. Ela, sentada ali, indiferente, mal havia percebido a perna ali.
E, no entanto, ela se move! Está consciente, então! Não é um sonho, é a
realidade, e suas preocupações de outrora parecem distantes, ecos de outra
vida. Houvera outra vida? Houvera qualquer coisa, além disso? Além daquele
instante, ali, de pura ansiedade, em que tudo o que existia eram as pernas, que
se tocavam?
Algo havia de ser feito. Uma decisão tomada, certamente,
imediatamente! Coragem! Um olhar, um correr de olhos pelo ônibus... Evite os
olhos dela... Mas é preciso saber. Não há mais desculpas. Levante os olhos,
homem!
O rapaz percorre a fria máquina com os olhos. Há lugares
vazios no ônibus. Quietude. Nada acontece, todos sentados, compenetrados na
viagem, não percebem a angústia que se desdobra ao seu lado. Enfim, seus olhos
pousam nela. Por frações de segundo, ele se deleita. Linda. Nunca houve nada
mais perfeito. E seu olhar, tão sereno! Fita o chão imundo, indigno de olhos
tão belos... Percebe o movimento do rapaz, e levanta a cabeça. Ele, rápido,
retorna a fitar a paisagem, nula e vazia. Seu coração explode, sua alma grita
em desespero. Teria ela percebido? Quanto tempo a encarara? Frações de
segundos, julgava ele... Mas e se houvesse se demorado demais? Olhar fora um
erro. Sua angústia só crescera. Mas, se havia lugares vazios...! Ela escolhera
sentar-se ali? Por quê? Não era o mais cômodo, nem o mais prático...
Mais um solavanco, este, amaldiçoado. Por um reflexo, as
pernas se afastam. O único elo concreto da existência daqueles momentos
desaparece. Agora só existem as memórias, as memórias e a paisagem, que se
move, monótona e sem fim. O rapaz está imóvel. O que significa isso? Não se
amam mais? Novamente, é necessário agir. Reunir coragem, aproximar-se, olhar
novamente, e talvez, talvez... Conversar? Mas sobre o que conversariam? Por
acaso o inseto tem algo a dizer à Vênus? Mas não havia outra maneira... Era
necessário arriscar tudo nesse derradeiro ato, ou tudo aquilo tornar-se-ia
apenas uma lembrança, perdida como lágrimas na chuva, ofuscada pela ação
erosiva do dia-a-dia nos sentimentos humanos. Não, isso era impensável,
inadmissível! Mesmo que acabasse em desastre, haveria de haver algo que marcasse
aqueles momentos. Uma tentativa, ao menos... Qualquer coisa, mas não um ‘poderia
ter sido’...
Lentamente, como quem marcha relutante para a batalha, o
rapaz levanta o olhar, apenas para encontrar...
Encontrá-la. Ali, real, concreta, olhando para ele. Pois ela
também reunia sua coragem. Ela também, estava prestes a dizer algo, quando
percebeu que ele fazia a mesma coisa. Ambos os planos, cuidadosos, planejados,
infalíveis, caíram por terra, inúteis agora, desnecessários. Olharam-se.
Frações de segundos ou uma eternidade, não importava. O efeito fora o mesmo.
Entendiam-se, conheciam-se profundamente, e compreenderam-se a tal ponto que
palavras pareciam ora redundantes, ora insuficientes.